Sem Papas na Língua
A Jornada Mundial da Juventude é uma espécie de organização sem fins lucrativos, pelo que, segundo alguns comentários de participantes, não passa recibos aos peregrinos, ou seja, a ser verdade, cerca de um milhão de cidadãos e as instituições que os servem no evento (hotelaria, restauração e transportadoras), sem querer, fugirão às suas obrigações fiscais.
Mais um privilégio da Igreja num Estado que supostamente deveria ser laico, Igreja que já não paga IMI pelo seu lauto edificado, como todos sabemos.
Entretanto, no dia 4 de agosto, o Martim Moniz vai ser palco da manifestação “sem papas na língua” de protesto com os elevados gastos públicos com a JMJ. Também os abusos sexuais na Igreja Católica e o facto de terem sido contratados reclusos para a construção dos confessionários em Belém também constam na lista de críticas da organização deste protesto (os reclusos de Coimbra, Matosinhos e Paços de Ferreira receberão apenas dois ou três euros por dia pelo trabalho, o que roça a escravatura).
O espaço mediático e político procura criar um discurso único sobre a iniciativa, como se fosse uma celebração meramente religiosa, mas o objetivo deste evento é político e é através da ocupação do espaço público que a Igreja continua a reafirmar o seu domínio.
A Igreja Católica continua vinculada à construção de poder e, através da intrusão de valores e normas, continua a exercer um controle social e cultural na nossa sociedade, com o conluio do poder político que deveria ser isento.
Por outro lado, o dinheiro investido no evento tem merecido diversas críticas – é expectável que seja um valor acima dos 90 milhões. Dinheiro que, apontam os críticos, faz falta em áreas como a educação, a saúde, a habitação e os transportes.
Também é criticável o controle temporário das fronteiras por causa da jornada mundial da juventude. Não parece legal, tal como durante a pandemia não foi a proibição da circulação entre concelhos (porquanto não estávamos, nem estamos agora, em estado de emergência), porque viola assim o princípio de circulação livre dos cidadãos no espaço Schengen. Se o controle é legítimo então deve ser feito todos os dias e para todos os cidadãos estrangeiros que entram no nosso país pelas fronteiras terrestres, marítimas ou aéreas.
Mas alguém tem culpa que algum iluminado, prelado ou político, se tenha lembrado de organizar esta “jornada” de cinco dias (?) em Lisboa no início do mês de agosto.
Por que não em Fátima, em época baixa ou menos alta, e a expensas da Igreja Católica?
E os cerca de 2500 autocarros (serão eléctricos ou a hidrogénio?) que se prevê chegarem à capital? Onde está a filosofia do dia europeu sem carros ou da descarbonização das nossas cidades, já não se aplica?
A própria gestão das jornadas assenta num pressuposto errado que é o do Estado, supostamente laico, assumir parte das despesas.
Carlos Magalhães
Fundador e dirigente do MCD- Movimento de Cidadania Democrática
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