«Sempre foi importantíssimo ser verdadeiro e nunca, mas nunca, fugir à verdade!»
Ilídio da Silva Carneiro, atual presidente da Junta de Freguesia de Nogueira e Silva Escura, tem 67 anos e trabalha há 35 na Fábrica de Plásticos Queirós. Apesar de estar, de momento, no seu segundo mandato à frente da freguesia, está há 41 anos ligado à política na terra onde nasceu e sempre viveu.
Numa entrevista em que Ilídio Carneiro fala sobre o Passado, Presente e Futuro de Nogueira e Silva Escura, o presidente aborda ainda o tema da desagregação destas duas freguesias, dando a sua opinião.
MaiaHoje (MH): Nasceu aqui na freguesia?
Ilídio Carneiro (IC): Sim e, portanto, conheço muita gente porque toda a minha infância e juventude foi passada cá, inclusive percorri as escolas todas da freguesia, principalmente a do Calvário. Só mais tarde é que fui para o Porto estudar, para a Gomes Teixeira, depois para a Oliveira Martins porque o meu pai entendeu que eu devia seguir a área comercial, depois ainda fui para o instituto de contabilidade. Não cheguei a entrar na faculdade porque o meu pai faleceu e tive de ajudar financeiramente a minha família.
MH: Durante este seu percurso alguma vez pensou na política? Ambicionava ter um lugar na política?
IC: Não. Na minha vida, e que me lembre, fui convidado duas vezes para ser vereador na Câmara Municipal e entendi que não, porque gosto do que faço profissionalmente e sobretudo gosto do que faço aqui na minha terra. Nunca me passou pela cabeça vir para a Junta de Freguesia, até porque era novo. Aos 18 ou 19 anos tornei-me presidente de um clube aqui de Nogueira, o União Nogueirense Futebol Clube, fui fazendo um trabalho razoável e alguns políticos, conhecedores da minha dinâmica, a determinada altura convidaram-me para fazer parte da lista. Nessa altura já era da JSD (Juventude Social Democrata), no tempo do Sá Carneiro e, portanto, tive de alinhar e deixar o clube por serem coisas incompatíveis, e fui eleito. Eu, ou faço as coisas como entendo que devem ser feitas, ou então não vale a pena.
MH: A Social Democracia sempre foi a sua ideologia de eleição?
IC: Sempre, até à data e julgo que até ao dia em que eu partir, porque o que me move são as ideias e não as pessoas que lideram o partido. Muitas vezes tenho ido contra os líderes do PSD, quer a nível nacional, distrital ou mesmo municipal. Mas não deixo de ser social democrata. Nunca me passou, nem passa pela cabeça mudar de ideologia.
MH: E, além do convite que já referiu, como é que chega a presidente aqui da freguesia?
IC: Eu estou cá há 41 anos e meio, uma vida.
Comecei por fazer dois mandatos como secretário da Junta de Freguesia, os dois primeiros mandatos. Depois, Henrique Reis, que era presidente acabou, por ir para a vereação da Câmara Municipal, a convite do Professor Doutor Vieira de Carvalho, e eu fui convidado para substituir e ser candidato a presidente. A partir daí ganhei sempre que concorri.
Isto tudo ainda antes de 1989, que foi quando abri o primeiro posto de correios numa Junta de Freguesia da Área Metropolitana. O funcionamento da Junta era muito diferente daquilo que é agora, de modo que não funcionava a tempo inteiro, e com a vinda dos correios a Junta passou a trabalhar em horário completo, num espaço que era muito pequeno.
Já estou aqui há muitos anos, sempre eleito com a maioria absoluta, o que às vezes é bom e, outras vezes, nem tanto. É bom porque tenho tido sempre um projeto para a freguesia de Nogueira e, agora para Silva Escura também. Gosto de fazer o que para isso fui votado, tenho os meus objetivos e luto sempre por eles.
Tenho procurado, ainda, fazer aquilo que acho positivo para a freguesia, em termos de serviços para a população, em termos sociais e também a construção de infraestruturas que são essenciais às pessoas.
MH: O que o move dentro da presidência é o serviço à população?
IC: Precisamente. É o que eu gosto de fazer. Eu fui criado num meio pobre e a minha mãe sempre me ensinou a ser o mais correto possível em todas as situações, para ela sempre foi importantíssimo ser verdadeiro e nunca, mas nunca, fugir à verdade, fosse no que fosse. A realidade que eu experienciei fez-me encaixar dentro da minha cabeça, passando a expressão, de que era preciso ajudar. Portanto, dentro de mim há sempre essa questão, claro que às vezes cometo erros, mas o intuito é sempre ajudar a população.
Dou-vos um exemplo, e aqui ainda a agregação de freguesias não tinha sido realizada, fui e sou caso único no país, porque tenho esse conhecimento, que faz a recolha domiciliária de lixos. E esta ideia surgiu precisamente para ajudar as pessoas que têm mais dificuldades, as pessoas de idade. E porque esta ainda é uma zona constituída por muitos idosos, muitos dedicam o seu tempo nos quintais e jardins e, naturalmente, cria-se lixo. A Câmara Municipal também tem este serviço, mas obedece a regras, como a separação, a colocação à porta, entre outros. E isto faz-me pensar para comigo “se são idosos e têm já dificuldade de mobilidade, como é que vão trazer o lixo à porta?”, foi aí que instituímos isso e fizemos milhares de recolhas. No entanto ainda existem muitas pessoas que me dizem que não o devíamos fazer, a minha questão é “porque não?”. Sendo esta uma questão social, entendo que deve ser feita, até porque não é só pela parte da velhice, mas sim por todas as dificuldades que as pessoas tenham, de mobilidade, por exemplo. E sempre é melhor assim do que muitas vezes vermos determinados lixos serem depositados, inapropriadamente, a céu aberto.
MH: E é uma forma de se evitarem mais estragos no planeta…
IC: Exatamente, acaba por ser também uma questão ambiental. E temos uma parte da população que não concorda com isto, inclusive a oposição que aqui temos.
MH: Mas não só da recolha de lixo se faz a sua preocupação com as pessoas…
IC: Não. Temos também a questão dos kits de maternidade e, honestamente, não vejo mais ninguém a fazê-lo. Ainda esta semana vamos entregar mais três. Quando se instituiu esta medida, decidimos que íamos oferecer aos bebés e aos pais, independentemente de serem ricos ou pobres, porque há aqui um objetivo importantíssimo, que é chamar a atenção para a necessidade de trazer crianças ao mundo e, de algum modo, dizer à população que estamos aqui.
MH: Ainda há pouco falava dos tempos mais antigos da freguesia, consegue recorda-los?
IC: Como referi ainda há pouco, este era um meio muito pobre. E tudo o que era feito, como se costuma dizer, era feito sempre de chapéu na mão. Era tudo muito diferente.
Reconheço que houve uma aposta no setor viário e ainda no que diz respeito às águas e ao saneamento. Houve um “boom” nesse aspeto, quer em Nogueira, quer em Silva Escura, quer no concelho. Agora é evidente que há freguesias que, por razões culturais e da sua população residente, têm diferenças. E não posso esconder que há diferenças entre Nogueira e Silva Escura, que em 2013 acabaram por se agregar. Há diferenças na forma de ser, estar e pensar.
Nogueira sempre foi um território mais urbano e, por isso, há outro tipo de exigências. Há mais do dobro de eleitores e, além daqueles que são naturais da freguesia, há muita gente que vem de fora e que acaba por se estabelecer cá. É também por isso que vemos, por exemplo, mais prédios altos em Nogueira, fruto também das vias nacionais que temos aqui. Havia ainda indústrias que atraíam trabalhadores de Amarante, Lousada e de outras cidades, que acabaram por se fixar e criar aqui família.
Atualmente Silva Escura também se está a desenvolver mais, e ainda bem, muito devido à conjuntura económica, das pessoas que têm poder económico. Portanto há duas áreas que se estão a desenvolver a nível de construção.
Em termos sociais, também as infraestruturas em Nogueira e em Silva Escura são consideravelmente melhores. Há uma diferença realmente muito grande, quando comparado há uns anos atrás.
Como também já disse, estou aqui há muitos anos e, de facto, não me lembro de património, de infraestruturas, que não tenham o nome Ilídio Carneiro.
MH: Quando, em 2013, as duas freguesias se uniram, foi algo do agrado da população?
IC: Não posso esconder que, depois do ato eleitoral, muitas pessoas comentaram que Nogueira ia “comer” Silva Escura. Não foi propriamente do agrado das pessoas pois achavam que eu iria abdicar dos edifícios e dos serviços de cada uma. E isto é um facto que não aconteceu e, aliás, eu só assinei o acordo de agregação com a condição de não abdicar de nada. Uma prova do que estou a dizer é que criei um Espaço do Cidadão em Nogueira, mas criei igualmente em Silva Escura. Desta forma, entendo eu, que Silva Escura acabou por beneficiar desta união de freguesias.
Como costumo dizer, eu sou presidente de uma freguesia apenas, que se chama Nogueira e Silva Escura.
MH: No que se refere a projetos, quais são os que a Junta de Freguesia tem atualmente?
IC: Com a pandemia houve muitas situações que ficaram pendentes, principalmente de nível social, mas claro que também de nível cultural. O que queremos agora é dar prioridade ao seguimento destas questões, como por exemplo o passeio dos seniores e a Bienal.
Entretanto está em curso um projeto muito importante, e que eu li no Maia Hoje, que o senhor presidente de Águas Santas disse em relação à Universidade Sénior. Nós, nesse aspeto, já estamos no terreno. Ou seja, já temos muitos alunos inscritos na Universidade e que já estão a ter aulas de música, artesanato, inglês e informática. Foi algo difícil de conseguir porque tínhamos que ter um parceiro, se possível, público, que teria de dar um apoio financeiro de 30%, apresentar candidatura e assinar um contrato. Outra questão é o facto de os alunos terem de corresponder a determinados critérios, como por exemplo a idade, que é a partir dos 50, salvo erro, e depois não podem apresentar dificuldades na mobilidade, têm de ser pessoas ativas. Este é um projeto fenomenal para ajudar os mais velhos a saírem de casa, a manterem-se ativos e a entusiasmarem-se.
Outro projeto, que já está na fase de concurso público, é a implementação da Universidade Sénior no pavilhão polivalente, projeto este que passa dos 200 mil euros. Teremos uma reunião com a Câmara Municipal para assinatura dos Contratos-Programa e seremos subsidiados em cerca de 70% do valor desta obra.
Ainda outra situação atual, em Silva Escura, é a beneficiação no atual cemitério dos wc e da arrecadação, que já são antigos e estão bastante degradados e é necessário pô-los de acordo com as exigências atuais. Relativamente ao cemitério temos mais uma questão, à qual vamos fazer escritura, com a Câmara Municipal, que será a ampliação do mesmo. A área de ampliação em questão é um terreno da Câmara e passará para o nome da Junta.
À parte disto, existem questões municipais que já deveriam estar prontas e estão ainda atrasadas. É o exemplo da Escola do Monte Calvário, que já há muito andamos a solicitar mais uma sala e um coberto. É algo que já está prometido há muito, já foram feitos projetos, alterados projetos e agora, disse-me a doutora Emília Santos, o projeto foi reformulado, foi a concurso e, tanto quanto me disseram, foi adjudicado.
Outro exemplo é a Poça de Frejufe. Vamos fazer uma intervenção paisagística para dar outra dignidade ao espaço e, iniciaram a obra, pararam-na e está parada há muito. Sucessivamente é-me dito, diversas vezes, pelas chefias dos departamentos em causa que “desta vez é que arranca” ou “agora é que vamos concluir”, mas o que é certo é que está rigorosamente igual. Isso a mim causa-me muita confusão.
Uma outra situação que, para mim, é incomoda… falamos há pouco da agregação das freguesias e agora vamos falar da desagregação. Temos pessoas no Executivo de Freguesia que são de Silva Escura, tive sempre esse cuidado de ter pessoas dos dois lados, na Assembleia de Freguesia também e, à semelhança das pessoas mais antigas e de raízes mais duras, querem a desagregação. Aliás, o Partido Socialista fala disto abertamente no seu manifesto, eu não falei. O que é certo é que para este procedimento é necessário respeitar os devidos timings, e por minha iniciativa, apresentei uma proposta para desagregar, se assim for entendido. Foi igualmente criada por minha iniciativa uma Comissão de Trabalho composta pelos representantes em causa, quer do PS, quer do PSD, e um elemento da Junta, e estão a trabalhar em termos obrigatórios e legais no que é necessário para, até ao prazo, apresentar na Assembleia da República. Antes, claro está, terá de passar na Assembleia Municipal.
Para mim, obviamente, e sempre o disse, só existe uma freguesia. Não há Nogueira e Silva Escura em separado.
MH: Mas faz-lhe sentido esta desagregação?
IC: A minha opinião pode ser mal interpretada, mas eu dou-a. Temos vindo a verificar que há “votos farsa”, quer aqui, quer no concelho vizinho, quer no governo, porque existe a diferença brutal entre litoral e interior. Quanto mais pequeno for um determinado local, menos representatividade eleitoral terá e, portanto, vai havendo alguns desvios temporais em determinadas execuções e fica-se, sim, com menos poder económico próprio, para se fazer determinadas coisas que se queira.
Eu tenho alinhado bastante no problema da criação de serviços e apoios sociais, mas desta forma há a fixação de despesa corrente permanente. Em contrapartida nós não criamos impostos, apesar de a Câmara querer. A partir daí, é a verba que vem dos Estado e do Duodécimo Municipal, portanto quanto mais pequenos pior.
Antes da agregação havia a regra de não se poder fazer meio tempo na Junta, pelo facto de faltarem eleitores. Eram necessários cinco mil e o que é certo é que com a agregação isso foi possível, por passar o número de eleitores. Desta forma a despesa sai diretamente dos cofres do Estado. Há freguesias que fazem meio tempo e tempo inteiro que não têm o número de eleitores necessário, mas assim as despesas saem diretamente dos cofres internos, chamemos-lhes assim, das Juntas. Eu por aí nunca alinhei, nem alinharei.
MH: Mantendo a situação de agregação, ainda tem mais um mandato. Se desagregar, terá mais três. Sair da Junta de Freguesia não é opção?
IC: Não. Como costumo dizer, até cair estarei cá sempre a lutar. Quanto ao resto, não depende de mim porque há todo um ato eleitoral que pode ser imprevisível. As pessoas devem votar sempre em quem lhes parecer melhor para a freguesia. Portanto, não estou preocupado com esta questão da desagregação, mas no meu entender não é algo de que não vão beneficiar. É a minha opinião.
MH: E antes mesmo de terminar, futuramente quais são os projetos que estão reservados à freguesia?
IC: Temos muitos projetos e, em várias situações, os projetos já estão feitos. Foi concluída há cerca de um mês uma obra que eu andava a reclamar há 20 anos. Nós pressionamos e temos propostas de coisas importantes, quer em Nogueira, quer em Silva Escura, mas não sei se vou conseguir. Vou lutar, como de resto tenho feito, para que essas questões cheguem a bom porto. As promessas têm vindo a ser feitas, mas como referi, demoram sempre muito tempo.
À parte dessas situações, queremos fazer uma beneficiação… e é algo que me causa constrangimento, porque olhando para o edifício da Junta de Silva Escura percebemos que está desatualizado em termos de serviços e precisava de uma reformulação estrutural. Claro que com o apoio municipal.
Temos diversas situações e refiro-me, por exemplo, ao Polidesportivo onde vai ser feita a Universidade Sénior, que tem lá um espaço enorme, onde têm sido realizados eventos, principalmente para angariação de fundos, que está a ficar igualmente desatualizado. Não tem sido possível esta atualização, mas é algo que gostaria de ver feito. Terminando a Universidade Sénior quero, de imediato, fazer o projeto, pelo menos.
Ainda relativamente ao futuro, temos a questão do campo de futebol em Silva Escura. É uma situação muito complicada. A freguesia não tem coletividades, tem uma pequena chamada Grupo Cultural e Desportivo de Silva Escura, cujos equipamentos foram oferecidos pela Junta, somos nós que nos encarregamos de ceder as carrinhas para fazer o transporte dos atletas, arranjamos e investimos dinheiro para a sede deles. No fundo, a pretensão é fazerem-se obras pois é preciso um campo novo, mas para fazer uma coisa destas é preciso muito dinheiro. Mas no meu entender, sendo um clube mais pequeno, é um investimento demasiado grande, cerca de meio milhão de euros. Quem é que depois vai fazer a manutenção necessária, pagar a luz, a água? Nós avançamos com um projeto de Padle, que está muito na moda. Vêem-se clubes de padle sempre cheios e nós pensamos nisso. Quando lançamos no mercado começou logo a aparecer gente interessada, entregamos a uma empresa a responsabilidade de fazer um estudo legal, porque uma vez que é público tem de ser tudo tratado legalmente e com as regras. Havia lá uma área destinada a futebol, além do padle. Quem teria de fazer toda esta construção seria aquele que fosse o concessionário e que teria o prazo de 20 anos, tendo de nos pagar uma renda mensal. Iriamos ter uma dinâmica enorme. Isto sem esquecer que teriam o espaço para futebol de sete, mas a ideia do Grupo Cultural e Desportivo de Silva Escura é outra. E, mais uma vez, tenho as minhas dúvidas. A própria Câmara Municipal já se desmarcou, dizendo-me várias vezes “nem pensar, Ilídio”. O projeto do Padle, devido a diversas oposições, acabou por cair em concurso.
Um outro assunto que me deixou sem palavras, porque era uma ótima oportunidade… tivemos aqui, há sensivelmente dois meses atrás, o representante dos negócios do jogador Bruno Fernandes, que me trouxe um projeto para implementar lá o padle mais um restaurante panorâmico. Era realmente uma ótima oportunidade, mas foi uma proposta que foi votada contra e, no meu ver, enquanto não mudarem de posição, não vale a pena. O que é certo é que se perdem oportunidades e podíamos ter aquele espaço já a funcionar.
MH: Para terminar, para o senhor presidente, a Nogueira e Silva Escura é…
IC: É a minha terra e é o meu exercício enquanto cá estiver. Enquanto for presidente desta freguesia, sublinho Nogueira e Silva Escura, vou procurar sempre, como tenho procurado, dar sempre o meu limite. Abdico muitas vezes de tempo em família para estar aqui de corpo e alma.
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